Quer saber mais sobre a greve?

O GOVERNO DILMA, A GREVE NACIONAL DOS DOCENTES E A UNIVERSIDADE DE SERVIÇOS 

Roberto Leher (UFRJ)

A longa sequencia de gestos protelatórios que levaram os docentes das IFES a uma de suas maiores greves, alcançando 48 universidades em todo país (28/05), acaba de ganhar mais um episódio: o governo da presidenta Dilma cancelou a reunião do Grupo de Trabalho (espaço supostamente de negociação da carreira) do dia 28 de maio que, afinal, poderia abrir caminho para a solução da greve nacional que já completa longos dez dias. Existem algumas hipóteses para explicar tal medida irresponsavelmente postergatória:

(i) a presidenta – assumindo o papel de xerife do ajuste fiscal – cancelou a  audiência pois, em virtude da crise, não pode negociar melhorias salariais para os docentes das universidades, visto que a situação das contas públicas não permite a reestruturação da carreira pretendida pelos professores;

(ii) apostando na divisão da categoria, a presidenta faz jogral de negociação com uma organização que, a rigor, é o seu espelho, concluindo que logo os professores, presumivelmente desprovidos de capacidade de análise e de crítica, vão se acomodar com o jogo de faz de conta, o que permitiria o governo Dilma alcançar o seu propósito de deslocar um possível pequeno ajuste nas tabelas para 2014, ano que os seus sábios assessores vindos do movimento sindical oficialista sabem que provavelmente será de difícil mobilização reivindicatória em virtude da Copa Mundial de Futebol, “momento de união apaixonada de todos os brasileiros”, e

(iii) sustentando um projeto de conversão das universidades públicas de instituições autônomas frente ao Estado, aos governos e aos interesses particularistas privados em organizações de serviços, a presidenta protela as negociações e tenta enfraquecer o sindicato que organiza a greve nacional para viabilizar o seu projeto de universidade e de carreira que ‘resignificam’ os professores como docentes-empreendedores, refuncionalizando a função social da universidade como organização de suporte a empresas, em detrimento de sua função pública de produção e socialização de conhecimento voltado para os problemas lógicos e epistemológicos do conhecimento e para os problemas atuais e futuros dos povos.

Em relação a primeira hipótese, a análise do orçamento 2012[1] evidencia que o gasto com pessoal segue estabilizado em torno de 4,3% do PIB, frente a uma receita de tributos federais de  24% do PIB. Entretanto, os juros e o serviço da dívida seguem consumindo o grosso dos tributos que continuam  crescendo acima da inflação. Com efeito, entre 2001 e 2010 os tributos cresceram 265%, frente a uma inflação de 90% (IPCA). Conforme a LDO para o ano de 2012, a previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, crescerá apenas 1,8% em valores nominais. O corte de R$ 55 bilhões em 2012 (mais de 22% das verbas do MCT) não é, obviamente, para melhorar o Estado social, mas, antes, para seguir beneficiando os portadores de títulos da dívida pública que receberam, somente em 2012, R$ 369,8 bilhões (até 11/05), correspondente a 56% do gasto federal[2]. Ademais, em virtude da pressão de diversos setores que compõem o bloco de poder, o governo Federal está ampliando as isenções fiscais, como recentemente para as corporações da indústria automobilística, renúncias fiscais que comprovadamente são a pior e mais opaca forma de gasto público e que ultrapassam R$ R$ 145 bilhões/ano. A despeito dessas opções em prol dos setores dominantes, algumas carreiras tiveram modestas correções, como as do MCT e do IPEA. Em suma, a hipótese não é verdadeira: não há crise fiscal. Os governos, particularmente desde a renegociação da dívida do Plano Brady (1994), seguem priorizando os bancos e as frações que estão no núcleo do bloco de poder (vide financiamento a juros subsidiados do BNDES, isenções para as instituições de ensino superior privadas-mercantis etc.). Contudo, os grandes números permitem sustentar que a intransigência do governo em relação a carreira dos professores das IFES não se deve a falta de recursos públicos para a reestruturação da carreira. São as opções políticas do governo que impossibilitam a nova carreira.

Segunda hipótese. De fato, seria muita ingenuidade ignorar que as medidas protelatórias objetivam empurrar as negociações para o final do semestre, impossibilitando os projetos de lei de reestruturação da carreira, incluindo a nova malha salarial e a inclusão destes gastos públicos na LDO de 2013. O simulacro de negociações tem como atores principais o MEC, que se exime de qualquer responsabilidade sobre as universidades e a carreira docente, o MPOG que defende a conversão da carreira acadêmica em uma carreira para empreendedores e, como coadjuvante, a própria organização pelega que faz o papel dos truões, alimentando a farsa do jogral das negociações.

Terceira hipótese. É a que possui maior lastro empírico.  As duas hipóteses anteriores podem ser compreendidas de modo mais refinado no escopo desta última hipótese. De fato, o modelo de desenvolvimento em curso aprofunda a condição capitalista dependente do país, promovendo a especialização regressiva da economia. Se, em termos de PIB, os resultados são alvissareiros, a exemplo dos indicadores de concentração de renda que alavancam um seleto grupo de investidores para a exclusiva lista dos 500 mais ricos do mundo da Forbes, o mesmo não pode ser dito em relação a educação pública.
 
Os salários dos professores da educação básica são os mais baixos entre os graduados[3] e, entre as carreiras do Executivo, a dos docentes é a de menor remuneração. A ideia-força é de que os docentes crescentemente pauperizados devem ser induzidos a prestar serviços, seja ao próprio governo, operando suas políticas de alívio à pobreza, alternativa presente nas ciências sociais e humanas ou, no caso das ciências ditas duras, a se enquadrarem no rol das atividades de pesquisa e desenvolvimento (ditas de inovação), funções que a literatura internacional comprova que não ocorrem (e não podem ser realizadas) nas universidades[4]. A rigor, em nome da inovação, as corporações querem que as universidades sejam prestadoras de serviços diversos que elas próprias não estão dispostas a desenvolver pois envolveriam a criação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento e a contratação de pessoal qualificado. O elenco de medidas do Executivo que operacionaliza esse objetivo é impressionante: Lei de Inovação Tecnológica, institucionalização das fundações privadas ditas de apoio, abertura de editais pelas agencias de fomento do MCT para atividades empreendedoras. Somente nos primeiros meses deste ano o Executivo viabilizou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, um ente privado, que submete os Hospitais Universitários aos princípios das empresas privadas e aos contratos de gestão preconizados no plano de reforma do Estado (Lei nº. 12.550, 15 de dezembro de 2012), a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), que limita ao teto de R$ 3.916,20, medida que envolve enorme transferência de ativos públicos para o setor rentista e que fragiliza, ainda mais, a carreira dos novos docentes, pois, além de não terem aposentadoria integral, não possuirão o FGTS, restando como última alternativa a opção pelo empreendedorismo que ilusoriamente (ao menos para a grande maioria dos docentes) poderia assegurar algum patrimônio para a aposentadoria. Ademais, frente à ruina da infraestrutura, os docentes devem captar recursos por editais para prover o básico das condições de trabalho. Por isso, nada mais coerente do que a insistência do Executivo em uma carreira que converte os professores em empreendedores que ganham por projetos, frequentemente ao custo da ética na produção do conhecimento[5].

Os operadores desse processo de reconversão da função social da universidade pública e da natureza do trabalho e da carreira docentes parecem convencidos de que já conquistaram os corações e as mentes dos professores e por isso apostam no impasse nas negociações. O alastramento da greve nacional dos professores das IFES, o vigoroso e emocionante apoio estudantil a essa luta sugerem que os analistas políticos do governo Federal podem estar equivocados. A adesão crescente dos professores e estudantes ao movimento comprova que existe um forte apreço da comunidade acadêmica ao caráter público, autônomo e crítico da universidade. E não menos relevante, de que a consciência política não está obliterada pela tese do fim da história[6]. A exemplo de outros países, os professores e os estudantes brasileiros demonstram coragem, ousadia e determinação na luta em prol de uma universidade pública, democrática e aberta aos desafios do tempo histórico!

Rio de Janeiro, 27 de maio de 2012

[4] Mansfield, Edwin 1998 Academic research and industrial innovation: An update of empirical findings em Research Policy 26, p. 773–776.
 [5] Charles Ferguson, A corrupção acadêmica e a crise financeira, disponível em: http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2012/05/27/a-corrupcao-academica-e-a-crise-financeira.jhtm
[6]. Marcelo Badaró Mattos, Algo de novo no reino das Universidades Federais?

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Nota de apoio a greve nacional das universidades públicas 

Desde o ano passado os docentes do ensino superior vêm tentando dialogar com o governo federal para apresentar e tentar encaminhar uma nova proposta de reestruturação do plano de carreira e reajuste salarial, pela valorização do piso e também incorporação das gratificações. Através do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN), os docentes conseguiram fazer com que o governo concedesse um reajuste de 4% e também a criação de um grupo de trabalho sobre a carreira docente. Junto a isso, foi criada uma mesa de negociação para que as reivindicações dos professores fossem levadas a cabo e se materializassem a partir de um acordo com o governo.

Sabemos que o governo Dilma/PT, além de desvalorizar a educação e não ter a mínima pretensão de dar as condições necessárias para que os trabalhadores deste setor possam ter as condições mínimas de exercer a profissão, impõe medidas severas contra a universidade pública, dando continuidade à política de desmonte do ensino superior público quando busca potenciar a lógica da reforma universitária. Em 2012 ainda foram ampliados os cortes com os gastos da união para com os direitos sociais, sendo que somente na educação foram cortados no início de 2011 e 2012 mais de 5 bilhões de reais, montante significativo e que legitima a onda de precarização e privatização da educação pública no país.

Além disso, este governo aprendeu, ao longo dos anos, a como lidar com os trabalhadores. Assim, ao invés de fechar as portas para o diálogo com os docentes, o governo institui uma mesa de negociação que vai sendo “empurrada com a barriga” e que não vem e nem tem perspectivas de avanço nas negociações.

Em razão disso, no último dia 17, o ANDES-SN deflagrou greve por tempo indeterminado como forma de pressionar o governo. Assim, a partir desta data várias universidades também fizeram assembléias locais e deliberaram a entrada na greve, sendo que em apenas sete dias de paralisação 80% da base do sindicato já aderiu à greve nacional das universidades federais.

Percebendo todos os nefastos resultados que a política educacional colocada em curso no país vem trazendo para as universidades públicas e no entendimento de a luta por melhores condições de trabalho e valorização da carreira docente é uma luta contra a lógica de sucateamento da educação pública, a Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física declara todo apoio à luta dos professores e ao movimento grevista que ganha força por todo o país.

Educação não é mercadoria!
Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física


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Cartilha no link abaixo sobre porque os estudantes apoiarem a greve dos professores (Universidade Federal Fluminense)

http://issuu.com/aduffssind/docs/a_greve_e_os_estudantes
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Algo de novo no reino das Universidades Federais?

Marcelo Badaró Mattos - UFF
            
São muitas vezes surpreendentes os caminhos que levam a movimentos coletivos como as greves. Quem poderia prever que depois de sete anos sem qualquer greve nacional unificada as Instituições Federais de Ensino Superior viveriam uma nova greve nacional e com tanta força que recebeu em poucos dias a adesão dos(as) docentes de 44 instituições, incluindo praticamente todas as que foram criada nesses últimos anos e a maior parte das grandes federais mais antigas, como a UFRJ, UFF, UNIRIO e UFRRJ (para ficar no exemplo das do Rio de Janeiro)?  Quem poderia dizer que nas novas instituições e nos novos campi das antigas, fruto do tão propagandeado processo de expansão formatado pelas regras do REUNI*, surgiriam os setores docentes e discentes mais mobilizados para esse enfrentamento? Como imaginar que até naquelas instituições em que surgiu e implantou-se uma representação docente de caráter oficialista – o PROIFES –, cujo objetivo evidente é conter as lutas da categoria, fossem ressurgir movimentos autônomos das(os) docentes, convocando assembleias, contrariando direções pelegas e construindo também lá a mobilização (e ao que parece em breve a greve)? Quem apostaria que nas Instituições Federais de Ensino Superior, que por certo forneceram muitos votos ao atual governo federal na expectativa de manutenção da política de expansão e dos reajustes salariais anuais, tão forte e resoluta fosse a adesão a um movimento acusado pelo governo e os governistas de ser fruto de uma mera manipulação política de setores oposicionistas?

A dinâmica dos conflitos sociais nos reserva surpresas, mas não nos dispensa de compreendê-las. Porque uma greve tão forte emergiu nestes últimos dias?

Para entendê-lo é necessário reconhecer que a pauta do movimento, curta e direta, representa de fato uma forte insatisfação. A pauta: uma reestruturação da carreira docente e a melhoria das condições de trabalho. Sobre a carreira, a questão é simples: após 25 anos de aprovação do Plano Único que passou a reger a carreira docente, em 1987, sucessivas políticas salariais para a Universidade depreciaram e desestruturaram a carreira. O que se reivindica é, basicamente, uma única linha de vencimento nos contracheques (com a incorporação das gratificações e o entendimento do percentual de titulação como parte do vencimento), com 13 níveis, steps (percentuais entre os níveis) de 5%, acesso interno à carreira ao nível de Professor Titular, com paridade entre ativos e aposentados e isonomia entre professores(as) da carreira do magistério superior e da carreira de ensino básico, técnico e tecnológico. O piso para professor 20h no início da carreira seria de R$ 2.329,35 (um salário mínimo do DIEESE, calculado com base nas necessidades mínimas de um trabalhador e sua família, conforme dita a Constituição). O governo acena com uma carreira mais desequilibrada em termos salariais, com um piso baixíssimo e promoções atreladas a critérios produtivistas, visando diferenciar um pequeno contingente melhor remunerado (por projetos e pela atuação em pós-graduações) e uma imensa maioria de docentes sobrecarregados com a elevação da carga de trabalho em sala de aulas de graduação. Já quanto às condições de trabalho, cinco anos após o início do REUNI, as instituições federais criaram centenas de novos cursos e ampliaram em dezenas de milhares as suas vagas de ingresso discente.  O governo, entretanto, não garantiu até agora nem mesmo o relativamente (à ampliação das matrículas) pequeno número de concursos públicos para docentes com o qual se comprometeu em 2007. As obras de expansão carecem de verbas para sua complementação, gerando ausência de laboratórios, bibliotecas e salas de aula nas novas unidades, assim como superlotação nas antigas. Some-se a isso a enorme deficiência no campo da assistência estudantil, cada vez mais necessária na medida em que entre os novos estudantes tendem ingressar contingentes cada vez maiores de trabalhadores(as) e filhos(as) de trabalhadores(as), sem condições de arcar com os custos de transporte, moradia, alimentação e material didático minimamente necessários para a vida universitária.

A greve pode ter colhido a muitos(as) de surpresa, mas está longe de ser um fenômeno de difícil explicação. Professores e professoras (e estudantes que aderem ao movimento em muitas universidades) optaram por esse instrumento de luta porque estão conscientes de sua necessidade diante da deterioração de sua carreira e das condições de trabalho. E perceberam que ou freiam agora o desmonte, ou serão arrastados ao fundo do poço em poucos anos.

Greve?
Tão logo a greve foi anunciada, surgiram de imediato combatentes antigreve no interior das Universidades. Seus argumentos não são novos para quem já viveu outros processos grevistas. Vale rebatê-los apenas para relembrar aspectos do passado recente das lutas em defesa da Universidade Pública que podem escapar aqueles(as) que  a elas se integraram nos últimos anos.

Greves paralisam só as graduações e prejudicam apenas os estudantes de graduação? Tal argumento foi usado principalmente a partir dos anos 2000, quando a pressão das agências financiadoras/avaliadoras sobre as pós-graduações para cumprirem metas produtivistas gerou um núcleo de docentes que assumiu internamente (ou como membros de comitês das agências) o papel de feitores da produtividade coletiva, alardeando o pânico dos prazos e metas ante qualquer rumor de questionamento. As greves tradicionalmente pararam aulas de graduações e pós e podem continuar a fazê-lo. Prejudicam os estudantes? Momentaneamente prejudicam estudantes, professores e técnico-administrativos que as fazem, é óbvio, mas significam justamente o sacrifício de um calendário regular de atividades (com os prejuízos materiais e pessoais que isso pode representar) em nome de um projeto maior de Universidade Pública. Assim evitamos a cobrança das mensalidades, com a greve de 1982; garantimos os direitos dos professores precariamente contratados ao longo da ditadura, com as greves da primeira metade dos anos 1980; conquistamos a isonomia entre instituições fundacionais e autárquicas e a carreira docente, com a greve de 1987;  descongelamos as vagas para concursos docentes, com a greve de 2001; barramos ou derrubamos diversas propostas e práticas desastrosas para o caráter público e a qualidade do trabalho universitário (projeto GERES; propostas de “regulamentação” da autonomia; efeitos da reforma do Estado; carreira de “emprego público”; gratificações produtivistas, quebras de isonomia e paridade e etc.),  e preservamos minimamente os salários (que ainda assim perderam muito do seu valor de compra ao longo dos anos). Estivemos longe de fazer greves meramente corporativistas, pois sempre pautamos a garantia da qualidade do trabalho de ensino, pesquisa e extensão nas universidades, o que foi sempre reconhecido pelos(as) estudantes, muitas vezes com greves conjuntas, como a que já ocorre agora em diversas universidades. Seriam os(as) estudantes tolos(as), que apoiam algo que lhes prejudica tanto assim? Ou o discurso que os vitimiza em relação à greve é apenas uma artimanha de desqualificação do movimento e da consciência estudantil?

Desqualificar as mobilizações de trabalhadores e de estudantes, qualificando-as como produto de minorias e forças “estranhas” (partidos, sindicatos, intenções políticas oposicionistas) ao corpo social – universitário neste caso –, é aliás uma das estratégias recorrentes nos argumentos antigreve dos setores conservadores. Um recurso retórico em tudo congruente com a longa trajetória de desqualificação da população trabalhadora pelo discurso das classes dominantes, que no Brasil sempre apontaram as “ideologias alienígenas” (anarquistas, comunistas, sindicalistas, ou o que seja) como responsáveis pelas perturbações à ordem, através da “manipulação” de grupos tomados como “massas de manobra”, enquanto a maioria do “povo” – “ordeiro e pacífico” (claro!) – assistiu a tudo indiferente, quando não “bestializado”. 

Teriam tanta força nas Universidades Federais dois ou três partidos de oposição de esquerda ao governo, que juntos somaram cerca de 1% na última eleição, para manipularem segundo seus interesses políticos dezenas de milhares de docentes? São as(os) docentes universitárias(os) tão parvos assim? E as(os) estudantes também? Se o Sindicato Nacional é tão carente de representatividade, por que reúne um contingente tão significativo de associados em suas sessões sindicais? Porque assembleias supostamente “ilegítimas” reúnem cada uma centenas de professores(as), que trocam informações, avaliam a situação, discutem e se posicionam coletivamente? Por certo que o questionamento à legitimidade vem sempre acompanhado de tentativas de profecias auto-realizáveis: “não vou à assembleia porque ela é ilegítima e tem pouca participação” (e não indo, contribui-se para fazer menor a participação e assim arguir sua legitimidade). O que vem muitas vezes acompanhado de uma fala ainda mais autocentrada de questionamento dos espaços coletivos de deliberação, não por cercearem a palavra, mas por aprovarem posturas contrárias às do indivíduo que questiona: “Já fui muito, mas desisti, pois o espaço é antidemocrático, já que toda vez que falei contra a greve perdi as votações”.

Há argumentos mais falaciosos, como o de que as greves não geram resultado algum ou que esvaziam a Universidade dificultando o debate e a mobilização, ou ainda que docentes recebemseus salários quando fazem greve. Difícil tomá-los como simples fruto de diferentes visões políticas, pois falseiam a realidade. A história das greves docentes está sendo cada vez mais pesquisada e diversos trabalhos acadêmicos já fizeram o balanço e avaliaram a importância desses movimentos nas últimas três décadas. Um quadro sintético dos resultados das greves nas Instituições Federais pode ser consultado em http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=greve. As greves sempre potencializaram o debate – interno às Universidade e público – sobre as políticas para o ensino superior no país e parar a atividade universitária é o único meio de garantir mobilizações multitudinárias nas ruas. Que debate sobre o ensino superior estão fazendo os antigreve em suas aulas cotidianas? De que mobilizações em defesa da Universidade Pública estão participando enquanto dão suas aulas? Já quanto aos salários, não seria absurdo que o direito de greve fosse respeitado e os salários pagos, mas todos(as) se lembram de como em diversas greves que ultrapassaram um mês de duração os salários foram cortados (cuidado! O governo corta os salários de todo mundo, inclusive dos(as) que continuam dando aulas!), como na greve de 2001, em que dois meses foram sucessivamente cortados e só pagos depois que as mobilizações da greve arrancaram decisões judiciais favoráveis em meio a “guerras de liminares”.

Não é difícil entender as motivações dos(as) que se propõem a furar uma greve (fura-greves  pode ser um “conceito nativo” com conotação negativa, como pelego, mas é compartilhado por todos os estudiosos dos fenômenos grevistas nas Ciências Humanas e Sociais, porque corresponde ao que expressa). Em alguns casos, acomodam-se a – e reproduzem – determinadas situações de poder; em outros estão por demais enredados em mecanismos de apropriação privada de recursos através da Universidade Pública (como cursos pagos e consultorias); algumas vezes apenas estão aferrados a defesa do governo de “seu” partido. Outras vezes, um pouco de tudo isso está presente.

Fazer a greve
            As respostas mais significativas aos antigreve sempre foram construídas pelos próprios movimentos e seus resultados objetivos. Não se trata de docentes que não aprenderam com as lições do passado, mas de deliberada retomada de argumentos desgastados para marcar posição e construir a rede de reverberação interna às arengas conservadoras tradicionais dos governos e da mídia. No entanto, greves fortes e participativas, como esta está se desenhando desde o começo, atropelam sem maiores problemas tais tentativas de deslegitimação da luta coletiva.

            Não há como prever os resultados finais da greve, mas desde já se podem perceber algumas conquistas significativas. Docentes e estudantes que ingressaram nos últimos tempos nas Universidades participam ativamente de um movimento coletivo e sentem-se parte de uma comunidade universitária que pode sim atuar unida em torno de pautas comuns. No reino do individualismo, da concorrência e do produtivismo, ouve-se um coro de vozes falando como uma só, fazendo ecoar cantos de solidariedade, dignidade, coletividade e consciência de classe.

            Nessa toada – de uma greve apoiada pela maioria da categoria dada a justiça de suas reivindicações e que ganha do apoio à adesão dos estudantes pelo aspecto da defesa da Universidade Pública e da qualidade do ensino – estamos diante da construção de um movimento suficientemente forte para gerar repercussão pública, apoio social e, com essas condições, dobrar o governo e garantir ganhos efetivos. Transformar esse potencial em realidade é o que nos cabe a partir de agora.


*            O Reuni é um programa de expansão, instituído em 2007 por decreto pelo governo Lula da Silva, que previa (mas não garantia) um pequeno aporte de novos recursos para investimentos nas universidades federais e alguns concursos para novos docentes em troca da expansão de vagas/matrículas/cursos para estudantes em até o dobro das existentes, cumprimento de metas de produtividade (elevação da relação professor-aluno e do percentual de formados entre os ingressantes) e a conversão dos novos cursos superiores num modelo de formação mais rápida, em dois ou três anos e sem habilitação profissional precisa. 

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A greve nacional dos professores das Universidades Federais.

Mauro Luis Iasi (CC do PCB e presidente da ADUFRJ)


Na reunião do setor das federais do ANDES SN ocorrida no dia 12 de maio em Brasília foi aprovada a greve nacional dos docentes universitários a partir do dia 17 de maio. Com as mobilizações e assembléias ocorridas esta semana já são 43 IFES que aderiram a greve.

Razões da greve

Há dois anos que os professores negociam com o governo seu projeto de careira docente e para tanto o ANDES construiu a partir de um amplo debate com a categoria um anteprojeto de lei no qual é apresentada nossa proposta de uma carreira docente única com 13 níveis remuneratórios baseado no tempo de carreira, na titulação e na avaliação realizada com autonomia e por critérios objetivos definidos com fundamentos acadêmicos.

A posição do ANDES, que consideramos correta, é que nossa discussão salarial deveria ser feita com base em um projeto de carreira, ou seja, não nos interessa a mera discussão de um índice de aumento salarial ou de recuperação de perdas se não atacamos as raízes das distorções que dividem nossa carreira e geram desigualdades injustificáveis entre professores. Por exemplo, na concepção do governo a carreira dos docentes do ensino público federal se divide em ensino universitário e do ensino básico, técnico e tecnológico (que inclui os professores dos Colégios de Aplicação, ensino técnico de segundo grau, etc.) Sabemos das especificidades destes setores, mas segundo nossa visão são diferenças de função e não de profissão, somos professores do ensino público federal com diferentes atribuições dentro de uma mesma carreira.

Outra divisão, esta dentro do mesmo campo do ensino universitário, é aquela que compõe nossa atual carreira e que nos divide em professores auxiliares, adjuntos, assistentes e titulares, esse último constituindo uma carreira à parte que inclusive exige novo concurso. Ora, essa distinção se fundamenta e um pressuposto quase feudal, próprio de um modelo universitário anacrônico e autoritário em frontal contradição com o modelo de universidade e sociedade que defendemos. Sua base é a concepção de que existe um grupo de professores “donos” de certa área ou disciplina e que dão algumas aulas durante o ano comunicando seus estudos e pesquisas assim como seu acumulo teórico sobre um tema e são auxiliados por professores que o circundam como assistentes ou adjuntos e estes por auxiliares numa hierarquia que implica mais que uma divisão de trabalho uma lógica de poder.

Isso não faz sentido na realidade da universidade brasileira que desde a constituição de 1988 em seu artigo 207 estipula a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Na prática tal conformação divide a categoria em faixas remuneratórias que funcionam como um funil em que poucos podem chegar ao final da carreira e as salários maiores e a maioria fica presa nas faixas intermediárias. Segundo estudo promovido pela ADUFRJ, por exemplo, na UFRJ, mais de 80% se aposentam como professor adjunto 4.

A proposta inicial do governo criava mais um patamar que denominou de Professor Sênior, hoje retirada da proposta, extinguindo a carreira de professor titular, que impunha aos professores mais quatro degraus até o final da carreira e impunha critérios que fechava ainda mais a saída do funil.

Durante todo o ano de 2011 o ANDES acompanhou uma longa e tortuosa enrolação do MPOG que supostamente deveria debater as propostas apresentadas sobre a carreira buscando aproximações e diferenças visando chegar a uma proposta negociada. Sob uma série de pretextos o governo protelou as reuniões, quando não as desmarcou unilateralmente numa total falta de respeito ao que havia sido combinado. O fato que chegamos ao final do ano sem que um milímetro da negociação sobre a carreira docente houvesse sido acordado.

No final do ano passado o governo apresenta uma proposta emergencial, diante do impasse na negociação, que consistia basicamente em três pontos: aumento emergencial de 4% a ser pago sis meses adiante (em março de 2012); incorporação de uma das gratificações ao vencimento básico (GEMAS para ensino superior e GEDBT pra o ensino básico, técnico e tecnológico). Até maio deste ano o governo não havia cumprido sequer o acordo emergencial.


Uma greve em defesa da universidade pública: pela carreira docente, por salários e por melhores condições de trabalho.

O governo apresentou um Projeto Lei que incluía os termos acordados ao final de 2011 e o transformou em Medida provisória agora em maio (a MP 568). Ocorre que junto com o aumento de 4% e a incorporação das gratificações, agrega inúmeras medidas referente à várias categorias do funcionalismo que não foram negociadas e que pode gerar perdas para os trabalhadores, como é o caso da mudança do cálculo da insalubridade que afeta diretamente os médicos.

O acordo e seu injustificável atraso é insuficiente, neste sentido a greve dos professores não é apenas pelo seu cumprimento, na verdade uma obrigação acordada com o governo, mas pela imediata abertura de uma negociação séria sobre nossa carreira e pelo enfrentamento das causas que levam hoje à precarização do trabalho docente, das condições de trabalho e das instalações universitárias. Esse aspecto está ligado diretamente à expansão realizada pelo governo que não veio acompanhada dos recursos necessários para sua implementação gerando salas de aulas superlotadas, pressões para um aumento da carga horária dos docentes em sala de aula prejudicando a relação entre ensino, pesquisa e extensão, falta de professores, precariedade de instalações.

Vários campus estão funcionando em espaços cedidos por prefeituras, salas improvisadas, sem laboratórios, equipamentos e instalações adequadas. Tudo isso tem acarretado vários problemas que vão desde turmas que estão ameaçadas de não se formar, como é o caso da medicina de Macaé que não tem hospital para que seus alunos façam a residência além da carência de professores em várias disciplinas.

Na verdade o sucateamento da universidade pública e a maneira como o governo entende o setor revela uma concepção de Estado que está na base do projeto de governo que se implantou em nosso país. Vivemos uma contra-reforma do Estado e uma clara opção pela lógica do mercado e das parcerias público-privadas que tem por centro e meta principal a formação de superávits primários sangrando o fundo público para colocá-lo a serviço dos interesses do grande capital monopolista. Não há uma crise da Universidade Pública, o que há é uma clara intenção de adaptá-la, destruindo-a, para que sirva aos interesses da lógica capitalista e do mercado.

Desta forma, o ensino público é concebido como um serviço oferecido que deve disputar o mercado e seus “clientes/consumidores” com as demais empresas do setor e para tanto deve assumir uma lógica gerencial fundada na “eficácia”, entendida como produzir o serviço com os recursos existentes e ter iniciativa de captar os recursos adicionais necessários. Daí as Universidades são incitadas a buscar recursos na iniciativa privada, seja através de projetos de parceria, financiamento de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, através de fundações ou outras formas. Para os professores é pensado uma remuneração básica e uma concorrência entre seus pares no balcão de projetos e bolsas oferecidas pelas instituições de fomento ou pelas oportunidades do mercado, o que vem se tornando para boa parte da categoria a principal fonte de sua remuneração, ou, no mínimo, uma parte considerável de seus vencimentos.

Além desta prática quebrar a autonomia universitária e o necessário financiamento público, gera distorções e diferenças não apenas entre unidades da Universidade, com centros e unidades com grandes somas de recurso e outras com recursos abaixo do mínimo necessário, o que se reflete não apenas nas instalações, mas na própria capacidade de produção de pesquisas, intercâmbios e visibilidade de sua produção acadêmica e científica; como, também, entre os professores e sua remuneração.

A situação atual é produto desta opção. Por isso se explica o abandono de uma política, não de valorização dos salários, mas mesmo de sua recomposição. Se considerarmos os salários nominais entre 1998 e 2011 de categorias do serviço público federal que exigem a mesma formação e que se compõe de atividades similares, como por exemplo os profissionais de Ciência e Tecnologia e os pesquisadores do IPEA, temos que em 1998 os professores universitários recebiam R$ 3.388,31, os pesquisadores do IPEA R$ 3.128,20 e do MCT recebiam R$ 2.6632,36. Em 2011 a situação se inverte de forma que os pesquisadores do IPEA ganham R$ 12.960,77, em segundo lugar os profissionais do MCT com R$ 10.350,68, e os professores passaram para a última posição com R$ 7.333,67, sendo a pior remuneração entre os funcionários públicos com este nível de formação exigido.

Isso considerando a categoria como um todo, pois as divisões as quais nos referíamos no interior da carreira existente e que permanecem na proposta do governo, fazem com que os aumentos oferecidos concentrem-se no alto da pirâmide e se diluam nas categorias intermediárias e na base. O secretário de relações do trabalho do MPOG, Sérgio Mendonça, por exemplo, alega que considerada no conjunto os professores tiveram reposta a inflação do período relativo aos governo Lula e Dilma (cerca de 57,1 %). No entanto, considerando as diferenças, os extratos superiores da carreira, como professores titulares e assistentes 3 e 4, tiveram em media seus salários ajustados entorno de 15% acima da inflação, enquanto os adjuntos, faixa na qual se encontra a maior parte dos professores inclusive os aposentados, amargam uma defasagem que chega à 40% abaixo da inflação do período.

Para o governo esse não é um problema da educação, de uma política para universidade brasileira, mas um problema de gestão, não é por acaso que o principal negociador durante todo esse tempo não foi o MEC, um ilustre ausente e omisso nesse debate, seja com Haddad, seja agora com Mercadante, um político que traz no nome a marca de seu compromisso, mas o ministério de Planejamento.

Os professores universitários são vistos como uma categoria privilegiada que trabalha pouco e ganha altos salários e a universidade um antro de maus gestores e de desperdício do dinheiro público, justificando o controle que rouba a autonomia universitária, uma limitação de recursos e o destino de completá-los no mercado e das parcerias, condenando a universidade a se transformar em uma central de serviços e os professores em mascates de projetos e que tem, se quiser cumprir os requisitos para ascender na carreira, que dar aulas (muitas aulas), participar de projetos de extensão, da pesquisa, da pós-graduação, além de participar dos espaços coletivos de gestão da vida universitária que se tornam cada vez mais homologatórios e formais.

O resultado disso é o adoecimento dos professores, a insegurança na carreira que é cada vez mais preterida roubando dos campos aqueles que poderiam contribuir para uma universidade pública e de qualidade, uma lógica perversa que sucateia a universidade pública para oferecer como saída sua mercantilização.

Por tudo isso os professores estão em greve, na maior greve do último período, pela defesa da Universidade Pública, pela defesa da carreira docente apresentada pelo ANDES-SN, por melhores condições de trabalho. Devemos isso ao pais, porque precisamos de uma universidade pública de qualidade, ainda que lutemos por mais que isso, para nesta universidade pública também se reflita os interesses dos trabalhadores e da maioria da população lutando por aquilo que chamamos da luta por uma Universidade Popular, e, por isso, a luta por uma Universidade Pública e por uma Universidade Popular é uma luta pelo socialismo.

Devemos isso, também, a nós mesmos, os professores, porque merecemos respeito e precisamos resgatar nossa dignidade espezinhada por este governo de burocratas à serviço do grande capital monopolista que vê na Universidade mais oportunidade de negócios (como mostra a proposta da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares- EBSERH); mas, principalmente, devemos isso aos nossos queridos alunos que merecem uma educação de qualidade e uma verdadeira aula, aquela que demonstra que é somente no caminho da resistência e da luta que conquistaremos uma universidade melhor e caminharemos para superar a lógica do capital que está na base da proposta de universidade que se implanta.

Nós não podemos impedir que os exploradores se comportem como tal, da mesma forma que não nos cabe mudar o comportamento de seus aliados e serviçais que hoje no governo implementam o desmonte das políticas públicas, do Estado e, portanto, da Universidade Pública. Mas, podemos e devemos decidir não ser seus cúmplices e dizer em alto e bom tom: se quiserem destruir a Universidade Pública terão que fazer sem nosso consentimento, sem nossa omissão, terão que fazê-lo contra nós e isso não se dará sem luta.